Você deve estar neste momento
entrando na fase nevrálgica das segundas-feiras. São quase onze da
manhã no Ipê Amarelo.
Voltei
hoje da Ulpan pela Floresta de Jerusalém. Pra tirar essas fotos. O
cheiro seco dos ciprestes sempre lembra meu irmão.
Esse
aroma está impregnado nas minhas lembranças mais remotas, assim
como cheiro de creolina. Você sabe bem do que estou falando...
Mas
fazer esse caminho só, me faz voltar no tempo e entendê-lo com uma
compreensão que me escapa à razão.
A
Ulpan tem sido uma revolução em minha psique. Começo a assistir
minha paixão aumentando pelas letras, pelas palavras, pelos
verbos...
E
o pior é que também parece que assim como eu eles se apaixonam por
mim. Estou começando a sonhar com verbos em hebraico...
São
sonhos de amor. Isso movimenta algo em mim que não sei para onde vai
nem de onde vem, Léo.
Todo
o pânico que sinto quando as professoras me perguntam coisas em que
tenho que pensar rapidamente e responder usando presente, infinitivo
e formas verbais para os gêneros masculino/ feminino... Meu medo de
não saber (e eu sempre sei, é incrível como eu mesmo não
dimensiono o aluno aplicado que sou, como muito de mim ainda não
acredita nisso) que me paralisa e me confronta com o desconhecido.
Tem valido uma terapia. Hoje vi o moleque desengonçado que fui com
vergonha das mangas já curtas aquém da minha aceleração de
crescimento e com inveja das outras crianças que tinham mãe e
roupas sempre novas e impecáveis. Talvez tudo o que aquela criança
sofreu um dia seja justamente o que hoje me faz estar aqui escrevendo
minha poesia e esperando pelo retiro de novembro de coração tão
aberto... de me dar por satisfeito em poder pintar minhas raras
aquarelas que são um prazer pessoal e convívio com o belo, um
exercício para o Rei de Espadas. Toda a cratera que o destino cavou
em minha vida foi preenchida com um combustível que só os deuses
podem fornecer... Isso aos poucos começa a explodir suavemente em
forma de canção. Incinerando junto com a música as barras da minha
jaula, liberando os pets que um dia foram bestas enfurecidas.
Todos
pagaram para eu ser feliz. Meu pai que morreu triste e
desesperançado, meu irmão louco terminando sua vida insana num
hospício, minha mãe que agonizou dois anos tomando morfina sem me
ouvir chamá-la... essa palavra não aprendi a conjugar! Paguei
também com incontáveis adeuses... Talvez a gente só seja realmente
feliz pelo que se é capaz de pagar antecipadamente. "Viver é
mesmo muito perigoso", como meu amado Guimarães Rosa tanto
repetiu... Graças a Deus aprendi a ginga dos negros.
Repare
as fotos. Veja o detalhe dessas pequenas muralhas que foram
construídas pelos árabes para evitar o deslize do vale. Ainda vou
descobrir isso mais a fundo. Eles deviam usar esse vale para plantar
alguma coisa. É o mesmo tipo de aproveitamento de terreno em declive
que os incas praticavam. Há uma foto que mostra isso em detalhe. Os
pedreiros árabes ainda são mestres nisso. Constroem muros de pedra
sem necessidade alguma de cimento. O muro do fundo do meu jardim é
construído assim. As pedras se encaixam como um puzzle resolvido.
Esse caminho da floresta é coalhado de seixos, pois toda a água da
estação de chuvas desce por ali.
Aos
poucos o outono começa seu presságio. As noites são mais frescas e
o sol já não pune seu castigo de luz tão impiedosamente.
Filho,
fique com todos os adeuses, todos os presentes, passados e futuros
semíticos ou não. O tempo vibra e não há faróis em alto mar.
Deus é pura velocidade. Ele só existe mesmo quando vivido. Por isso
a vida não compartilhada como uma liturgia é um erro, um pecado
(termo originado do latim peccare, significa
literalmente perder o pé, tropeçar. Ouspensky disse uma
vez que a palavra pecado significava perder o caminho ou perder a
meta). A única meta possível é o caminho de volta para a Luz, de
onde todos viemos, para onde nossas almas emergirão algum dia. Todo
Amor. Um beijo na Isadora. Cuidem bem de vocês minhas amadas
crianças. Seu no Dharma. C.
PS:
Acabo de falar com a Mihal a respeito dos muros da floresta. Eles são
centenários. Foram usados há muito tempo como terraços de cultivo.
Já não se sabe do quê.
Mas
estão lá, esperando você e a Isa, atravessando estações, tempo
aparente e dimensões desconhecidas. Jerusalém...
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