segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A Pequena Igreja Azul de Aba Cháriton



A pequena igreja de Aba Cháriton é a que mais gosto de ir. Ela tem a dimensão do que consigo alcançar, a escala do que é possível abranger num único vislumbre.
Às vezes vou em algumas rezas que ele faz com alguns poucos gregos ortodoxos que vivem por aqui.
Aléksandros e seus cinco filhos, Nicoláos, Dionísios... Aba Cháriton e eu. Em alguns domingos vamos ao Mosteiro Russo. Mas a Liturgia Ortodoxa Russa é diferente da Antioquina, à qual estou mais habituado e para mim é mais leve e alegre.
Ele tem insistido em me levar à Igreja do Santo Sepulcro para uma missa que acontece de madrugada. Da meia-noite às quatro da manhã. É possível depois dormir no alojamento que o Patriarcado de Jerusalém reserva aos poucos insones privilegiados que podem assistir a esses ofícios.
É bem possível que amanhã à noite eu vá com ele. De qualquer forma, o mais interessante para mim é a companhia humilde, leve e engraçada dele. 
Ontem, enquanto olhava os ícones tão bem pintados de sua pequena igreja, pensava nas múltiplas formas que os homens inventam para Deus. E Ele está sempre ali, imutável, inconfundível, sempre sorridente.
Tive a sorte de me encontrar com Ele inúmeras vezes, e hoje é para mim um Amigo que sussurra segredos silenciosos nos meus ouvidos,
que povoa minha cidade deserta, que acende o calor quando meu coração está frio, assobia uma canção quando estou triste e sopra minha testa quando a febre da ira ronda meus paraísos...
Como sempre Aba Cháriton me dá três velinhas resinadas para que eu acenda na caixa de areia. Duas são inevitavelmente para você e para a Isadora. Rezei um Pai Nosso para cada um de vocês. Já não rezo mais. Como sempre falo a você, a vida para mim tornou-se uma oração. Se ela não for bem rezada, de nada valem todas as fórmulas e ladainhas para atingir o Alto.
Encontrei em Santana uma vez, uma nega doida que trabalhava num colégio que estudei logo que voltei do Seminário. Ela costumava então ler as mãos das alunas e pedir dinheiro em troca. Uma pilantra cheia de mandinga
Desta volta, ela tinha se convertido. Era evangélica. E comendo biscoitos de polvilho ela me falava da tal da "palavra" do senhor cuspindo todas as sílabas surdas em que tropeçava ao professar sua fé de boca cheia.
Isso valeria uma história bem mal contada... Cômico. Deus diluído na calçada do Metrô como biscoito de polvilho...
Mas é como geralmente Deus tem sido usado. Um capacho à entrada em que os homens invariavelmente  limpam suas botas enlameadas.
Feliz é o Padre Cháriton. Ali quietinho em sua pequena igreja cuidando dos seus gatos magros que correm embaixo da parreira como se estivessem no Jardim do Éden.
Levei moussaka para ele um dia desses junto com meia dúzia de melomakáronos de quebra que havia assado. Ele agradeceu muito generosamente. Mas em nenhum momento senti nele a paixão assoladora por ter diante de si uma moussaka linda e biscoitos gregos que tanto lembram sua terra, seus sabores e seus delírios de criança ao pé do forno. 
Aba Cháriton é que é feliz. Os ícones não tossem nem reclamam da fumaça excessiva dos incensos, não pedem velas nem exigem mais luz para enxergar o pouco número de seus fiéis cantando num idioma que eles não entendem muito bem. 
Aba Cháriton é que é feliz. Porque Aba Cháriton somos todos nós. Porque Aba Cháriton não precisa de nada, nem de seu hábito negro e surrado para lembrar-se de estar mais perto de Deus, que sempre sorri sob os bigodes quando ele entra.





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