A
pequena igreja de Aba Cháriton é a que mais gosto de ir. Ela tem a
dimensão do que consigo alcançar, a escala do que é possível
abranger num único vislumbre.
Às
vezes vou em algumas rezas que ele faz com alguns poucos gregos
ortodoxos que vivem por aqui.
Aléksandros
e seus cinco filhos, Nicoláos, Dionísios... Aba Cháriton e eu. Em alguns domingos vamos ao Mosteiro Russo. Mas a Liturgia Ortodoxa Russa é diferente da Antioquina, à qual estou mais habituado e para mim é mais leve e alegre.
Ele
tem insistido em me levar à Igreja do Santo Sepulcro para uma missa
que acontece de madrugada. Da meia-noite às quatro da manhã. É
possível depois dormir no alojamento que o Patriarcado de Jerusalém
reserva aos poucos insones privilegiados que podem assistir a esses
ofícios.
É
bem possível que amanhã à noite eu vá com ele. De qualquer forma,
o mais interessante para mim é a companhia humilde, leve e engraçada
dele.
Ontem,
enquanto olhava os ícones tão bem pintados de sua pequena igreja,
pensava nas múltiplas formas que os homens inventam para Deus. E Ele
está sempre ali, imutável, inconfundível, sempre sorridente.
Tive
a sorte de me encontrar com Ele inúmeras vezes, e hoje é para mim
um Amigo que sussurra segredos silenciosos nos meus ouvidos,
que
povoa minha cidade deserta, que acende o calor quando meu coração
está frio, assobia uma canção quando estou triste e sopra minha
testa quando a febre da ira ronda meus paraísos...
Como
sempre Aba Cháriton me dá três velinhas resinadas para que eu
acenda na caixa de areia. Duas são inevitavelmente para você e para
a Isadora. Rezei um Pai Nosso para cada um de vocês. Já não rezo
mais. Como sempre falo a você, a vida para mim tornou-se uma oração.
Se ela não for bem rezada, de nada valem todas as fórmulas e
ladainhas para atingir o Alto.
Encontrei
em Santana uma vez, uma nega doida que trabalhava num colégio que
estudei logo que voltei do Seminário. Ela costumava então ler as
mãos das alunas e pedir dinheiro em troca. Uma pilantra cheia de
mandinga
Desta
volta, ela tinha se convertido. Era evangélica. E comendo biscoitos
de polvilho ela me falava da tal da "palavra" do senhor
cuspindo todas as sílabas surdas em que tropeçava ao professar sua
fé de boca cheia.
Isso
valeria uma história bem mal contada... Cômico. Deus diluído na
calçada do Metrô como biscoito de polvilho...
Mas
é como geralmente Deus tem sido usado. Um capacho à entrada em que
os homens invariavelmente limpam suas botas enlameadas.
Feliz
é o Padre Cháriton. Ali quietinho em sua pequena igreja cuidando
dos seus gatos magros que correm embaixo da parreira como se
estivessem no Jardim do Éden.
Levei
moussaka para ele um dia desses junto com meia dúzia de
melomakáronos de quebra que havia assado. Ele agradeceu muito
generosamente. Mas em nenhum momento senti nele a paixão assoladora
por ter diante de si uma moussaka linda e biscoitos gregos que tanto
lembram sua terra, seus sabores e seus delírios de criança ao pé
do forno.
Aba
Cháriton é que é feliz. Os ícones não tossem nem reclamam da
fumaça excessiva dos incensos, não pedem velas nem exigem mais luz
para enxergar o pouco número de seus fiéis cantando num idioma que
eles não entendem muito bem.
Aba
Cháriton é que é feliz. Porque Aba Cháriton somos todos nós.
Porque Aba Cháriton não precisa de nada, nem de seu hábito negro e
surrado para lembrar-se de estar mais perto de Deus, que sempre sorri
sob os bigodes quando ele entra.
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