Ein
Karem, 27 Abril 2013
Querido
Leonardinho
Gostaria, na verdade, de chegar
bem cedo no Ipê para te contar tanta coisa … Esse é o primeiro
sentimento que procuro trazer ao me reportar a você. Fica muito
difícil achar o dó dessa oitava. Por isso estou engasgando entre
palavras e sentimentos. Passei cinco anos bem cozidos vendo e
convivendo com você diariamente. É isso também o que torna nosso
diálogo tão possível e impassível às leis do tempo. Foi com você
mais que ninguém nesse período que pude falar de temas que para mim
são aqueles que realmente contam.
Poder
te falar de todos os meus heróis e meus deuses, das cores e das
formas, das palavras e dos silêncios, da magia que pode existir numa
pimenta vermelha e dos segredos que podem estar contidos numa lasca
de gengibre.
Junto
com você minhas mãos amadureceram de todos os cortes e queimaduras
para tornar sagrado qualquer alimento que preparasse. Num sentido
muito abrangente e puro, o que a gente vivenciou chega ao patamar de
um romance verdadeiro, de tão bem costurado e evidente. E para mim
pareceu-me que os deuses apontaram de várias formas e em diferentes
momentos que nossos mapas cruzaram-se num determinado ponto por
razões que o devido tempo nos fará apreciar com a inteligência e
compreensão que só digestão e relatividade costumam trazer.
Leonardinho...
Logo
depois que nos falamos ao telefone fui com o Eres, Rutha, Iftah e
Lily numa festa em Iahud, a 40' de Jerusalém. Mordi e Sonia
estavam lá, assim como Kiki e Merav que surgiram como duas
estrelas silenciosas e meteóricas. Conversei rapidamente com a
Merav sobre a tradução e publicação de Guimarães Rosa em
hebraico. Como penso que cheguei a comentar com você, as herdeiras
de seus direitos autorais pediram algo em torno de U$5000 por “Grande
Sertão: Veredas”.
O
budget da editora que ela possui não permite um empreendimento desse
porte. Desconheço também a habilidade que seus tradutores possam
ter para um trabalho astronômico desse calibre. Um excelente
tradutor significaria no mínimo mais U$5000.
Voltei
a falar com ela sobre as chances de “Corpo de Baile”, o conto
onde aparece o adorável personagem Miguilim. Reforço
sempre com ela que publicar Guimarães Rosa em hebraico é uma das
coisas mais arrojadas e uranianas que ela poderia arriscar como
editora, já que é questão de mais alguns anos para que a literatura
mundial, de uma forma mais dinâmica e abrangente, possa reconhecer o
gênio inigualável de Guimarães Rosa como escritor universal. Não há em língua portuguesa alguém de vulto tão
relevante que se possa colocar no mesmo patamar de Dante Alighieri,
Goethe, Homero e Leon Tolstói, senão Rosa. Assim como acontece com
Fernando Pessoa em poesia. São gigantes. Autores de uma grandeza assim
são mais que literatura. O que eles criaram chega às raias da mais
pura forma de invenção e profundidade. E por isso eles são
universais. Eles expressam valores tanto na linha horizontal quanto
vertical do tempo. Há linearidade. Mas altitude e abismos também. Tudo o que posso ver de mítico nos meus peões de cozinha deve-se em parte à referência superior e sublimada de Riobaldo Tatarana.
Duas genias essas meninas,
Leo. A Kiki está sendo cada vez mais requisitada em seu trabalho
para a TV Israelense como editora de filmes. O melhor de tudo é elas não terem o ranço medíocre de artista. Você encontra com
elas e é como ter a visão de dois anjos aqui.
Estou lendo um livro sobre o
trabalho de GR. São textos que estão sendo reunidos pela Difel a
partir de artigos de crítica literária de Benedito Nunes, um dos
grandes entusiastas e estudioso da obra dele. E Benedito busca
ressonâncias no trabalho de alguns desses autores que mencionei,
principalmente Dante e Goethe.
28.04.13
00:06
Fui nesta sexta-feira ver a
casa que gostaríamos de alugar. É de um casal jovem com um filho de
um ano e seis dias. Os três estavam lá. Asaf, Karem e Ilay, o bebê.
É uma casa árabe com grossas paredes de pedra. Uma cozinha com uma
grande janela que dá para o jardim que tem um limoeiro siciliano,
flores de alcaparra, um roseiral ao fundo repleto de flores
encarnadas chapadas contra um muro também de pedras mal lapidadas.
Há uma grande sala com lavabo onde eles levantaram um pequeno quarto
para Ilay. Esse baby me pareceu tão familiar... Seus olhos meio
esverdeados... E ele tomou quase toda minha atenção; fiquei mais
interessado em fazê-lo rir que em perceber e avaliar o potencial da
residência. Depois fui dar fé que a familiaridade que reconheci em
Ilay era o simples fato de que ele se parece muito com o bebê que um
dia também fui. Um pequeno choque para aquele momento.
Asaf e Karem gostaram muito
de nós e acho que o pequeno Ilay também. Havia a possibilidade de
que eles desmanchassem o babyroom dele caso desejássemos. Mas eu
quis manter a disposição desta forma. Ali há potencialmente um
quarto de hóspedes.
A planta da casa termina numa
suíte. Há uma outra moradia na parte de cima, o que significa
estarmos abaixo do nível da rua. Nesta mesma, uma vaga para nosso
carro. E que muito provelmente será um Suzuki de segunda.
Quis vir para cá em abril
somente por causa da primavera. Pelo menos em relação a temperatura
a segunda força seria menor. E as flores estariam desse modo,
prontas para minha chegada. Assim, vejo Israel por meio delas,
florescendo perante meus olhos, contando segredos vindos, coloridos e
tenros, diretamente do ventre negro da terra.
Outra é que nesta semana
(quarta-feira), tivemos nossa primeira entrevista com o advogado que
trabalha meu processo de imigração.
Na próxima fecharemos um
contrato sobre a casa devidamente lavrado e assinado. É importante
que tenhamos um imóvel já alugado em nossos nomes. Isso no tocante
a imigração.
A viagem foi ótima. Talvez
a melhor de todas as que já fiz para cá. Tomei logo de cara três
relaxantes musculares. Acho que até com Papai Noel eu sonhei naquele
voo, Leo!
Em Istanbul, a mesma doideira
que corre ali de madrugada no aeroporto. O deck para nicotina e
outras substâncias tóxicas parece uma rave. Gente do mundo todo.
Tipo Disneylândia. Conexões para quase toda Europa, Ásia e Oriente
Médio.
Nesta segunda é o casamento
de Nemrod e Luiza. O pai do Eres voltou da Alemanha para a cerimônia.
Nunca fui a um casamento judaico. Estou muito feliz por eles.
Meus livros enviados pelo
Correio ainda não chegaram. Fazem falta neste momento os livros de
hebraico e o dicionário hebraico-português. Mas tenho procurado
aprender o que o momento me permite. Estou atento às letras nos
jornais, TV, placas de rua e estradas e infernizando a vida da Lily
com perguntas que muitas vezes ela não sabe responder. Mas ela tem
sido a mais doce das companheiras, como sempre.
Querido, é isso. Legal que
vou te ver muito em breve. Mas enquanto isso vou mandando notícias.
Fique com todo meu Amor. Beijo para Isadora. Sempre. C.
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