segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Um lugar chamado Ipê Amarelo




Ein Karem, 27 Abril 2013
Querido Leonardinho

Gostaria, na verdade, de chegar bem cedo no Ipê para te contar tanta coisa … Esse é o primeiro sentimento que procuro trazer ao me reportar a você. Fica muito difícil achar o dó dessa oitava. Por isso estou engasgando entre palavras e sentimentos. Passei cinco anos bem cozidos vendo e convivendo com você diariamente. É isso também o que torna nosso diálogo tão possível e impassível às leis do tempo. Foi com você mais que ninguém nesse período que pude falar de temas que para mim são aqueles que realmente contam.
Poder te falar de todos os meus heróis e meus deuses, das cores e das formas, das palavras e dos silêncios, da magia que pode existir numa pimenta vermelha e dos segredos que podem estar contidos numa lasca de gengibre.
Junto com você minhas mãos amadureceram de todos os cortes e queimaduras para tornar sagrado qualquer alimento que preparasse. Num sentido muito abrangente e puro, o que a gente vivenciou chega ao patamar de um romance verdadeiro, de tão bem costurado e evidente. E para mim pareceu-me que os deuses apontaram de várias formas e em diferentes momentos que nossos mapas cruzaram-se num determinado ponto por razões que o devido tempo nos fará apreciar com a inteligência e compreensão que só digestão e relatividade costumam trazer. Leonardinho...
Logo depois que nos falamos ao telefone fui com o Eres, Rutha, Iftah e Lily numa festa em Iahud, a 40' de Jerusalém. Mordi e Sonia estavam lá, assim como Kiki e Merav que surgiram como duas estrelas silenciosas e meteóricas. Conversei rapidamente com a Merav sobre a tradução e publicação de Guimarães Rosa em hebraico. Como penso que cheguei a comentar com você, as herdeiras de seus direitos autorais pediram algo em torno de U$5000 por “Grande Sertão: Veredas”.
O budget da editora que ela possui não permite um empreendimento desse porte. Desconheço também a habilidade que seus tradutores possam ter para um trabalho astronômico desse calibre. Um excelente tradutor significaria no mínimo mais U$5000.
Voltei a falar com ela sobre as chances de “Corpo de Baile”, o conto onde aparece o adorável personagem Miguilim. Reforço sempre com ela que publicar Guimarães Rosa em hebraico é uma das coisas mais arrojadas e uranianas que ela poderia arriscar como editora, já que é questão de mais alguns anos para que a literatura mundial, de uma forma mais dinâmica e abrangente, possa reconhecer o gênio inigualável de Guimarães Rosa como escritor universal. Não há em língua portuguesa alguém de vulto tão relevante que se possa colocar no mesmo patamar de Dante Alighieri, Goethe, Homero e Leon Tolstói, senão Rosa. Assim como acontece com Fernando Pessoa em poesia. São gigantes. Autores de uma grandeza assim são mais que literatura. O que eles criaram chega às raias da mais pura forma de invenção e profundidade. E por isso eles são universais. Eles expressam valores tanto na linha horizontal quanto vertical do tempo. Há linearidade. Mas altitude e abismos também. Tudo o que posso ver de mítico nos meus peões de cozinha deve-se em parte à referência superior e sublimada de Riobaldo Tatarana.
Duas genias essas meninas, Leo. A Kiki está sendo cada vez mais requisitada em seu trabalho para a TV Israelense como editora de filmes. O melhor de tudo é elas não terem o ranço medíocre de artista. Você encontra com elas e é como ter a visão de dois anjos aqui.
Estou lendo um livro sobre o trabalho de GR. São textos que estão sendo reunidos pela Difel a partir de artigos de crítica literária de Benedito Nunes, um dos grandes entusiastas e estudioso da obra dele. E Benedito busca ressonâncias no trabalho de alguns desses autores que mencionei, principalmente Dante e Goethe.

28.04.13
00:06
Fui nesta sexta-feira ver a casa que gostaríamos de alugar. É de um casal jovem com um filho de um ano e seis dias. Os três estavam lá. Asaf, Karem e Ilay, o bebê. É uma casa árabe com grossas paredes de pedra. Uma cozinha com uma grande janela que dá para o jardim que tem um limoeiro siciliano, flores de alcaparra, um roseiral ao fundo repleto de flores encarnadas chapadas contra um muro também de pedras mal lapidadas. Há uma grande sala com lavabo onde eles levantaram um pequeno quarto para Ilay. Esse baby me pareceu tão familiar... Seus olhos meio esverdeados... E ele tomou quase toda minha atenção; fiquei mais interessado em fazê-lo rir que em perceber e avaliar o potencial da residência. Depois fui dar fé que a familiaridade que reconheci em Ilay era o simples fato de que ele se parece muito com o bebê que um dia também fui. Um pequeno choque para aquele momento.
Asaf e Karem gostaram muito de nós e acho que o pequeno Ilay também. Havia a possibilidade de que eles desmanchassem o babyroom dele caso desejássemos. Mas eu quis manter a disposição desta forma. Ali há potencialmente um quarto de hóspedes.
A planta da casa termina numa suíte. Há uma outra moradia na parte de cima, o que significa estarmos abaixo do nível da rua. Nesta mesma, uma vaga para nosso carro. E que muito provelmente será um Suzuki de segunda.
Quis vir para cá em abril somente por causa da primavera. Pelo menos em relação a temperatura a segunda força seria menor. E as flores estariam desse modo, prontas para minha chegada. Assim, vejo Israel por meio delas, florescendo perante meus olhos, contando segredos vindos, coloridos e tenros, diretamente do ventre negro da terra.
Outra é que nesta semana (quarta-feira), tivemos nossa primeira entrevista com o advogado que trabalha meu processo de imigração.
Na próxima fecharemos um contrato sobre a casa devidamente lavrado e assinado. É importante que tenhamos um imóvel já alugado em nossos nomes. Isso no tocante a imigração.
A viagem foi ótima. Talvez a melhor de todas as que já fiz para cá. Tomei logo de cara três relaxantes musculares. Acho que até com Papai Noel eu sonhei naquele voo, Leo!
Em Istanbul, a mesma doideira que corre ali de madrugada no aeroporto. O deck para nicotina e outras substâncias tóxicas parece uma rave. Gente do mundo todo. Tipo Disneylândia. Conexões para quase toda Europa, Ásia e Oriente Médio.
Nesta segunda é o casamento de Nemrod e Luiza. O pai do Eres voltou da Alemanha para a cerimônia. Nunca fui a um casamento judaico. Estou muito feliz por eles.
Meus livros enviados pelo Correio ainda não chegaram. Fazem falta neste momento os livros de hebraico e o dicionário hebraico-português. Mas tenho procurado aprender o que o momento me permite. Estou atento às letras nos jornais, TV, placas de rua e estradas e infernizando a vida da Lily com perguntas que muitas vezes ela não sabe responder. Mas ela tem sido a mais doce das companheiras, como sempre.

Querido, é isso. Legal que vou te ver muito em breve. Mas enquanto isso vou mandando notícias. Fique com todo meu Amor. Beijo para Isadora. Sempre. C. 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.