quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Jetsun Milarepa






Ein Karem 12.12.13

 Neve sobre Jerusalém. Nove horas da manhã. Não há Ulpan hoje. Nos preveniram desde ontem que se nevasse de madrugada, não teríamos aula. Não nevou durante a noite mas quando saí, uma chuva fina vinha acompanhada de pequenos e leves flocos brancos quase imperceptíveis. Voltei para casa. Não demorou para que ela começasse a vir, desta vez sem a fina garoa. É incomum que neve nesta época do ano. A meteorologia diz que é a quarta vez que isso acontece. Que fenômeno lindo! Um silencio himalaico ao redor.
 Os flocos caem mais espessos sobre o jardim agora. Ontem iniciei um novo poema chamado Kailash. É uma montanha sagrada para várias religiões: Hinduísmo, Budismo, Jainismo e Bön, a religião nativa do Tibete antes que Padmasambhava viesse da Índia para trazer ao Tibete os ensinamentos de Buda Shakiamuni.
 O Bön é uma religião quase shamânica. Talvez esse fértil terreno tenha possibilitado que o Budismo se desenvolvesse de forma tão incomum, dinâmica, profunda e milagrosa, iniciando a partir de então uma longa tradição de notáveis e retumbantes Mestres Iogues. Os relatos sobre a vida desses veneráveis  e santos homens atinge os limites do fantástico.
 A vida de Milarepa, por exemplo, é envolta em mistério e assombros. Perdendo o pai quando ainda era um adolescente, seus tios ficaram responsáveis por manter a considerável fortuna da família. Terminaram por desterrar tudo e humilharam publicamente os irmãos e a mãe de Jetsun Milarepa quando esta reclamou a herança do marido para suprir as necessidades da casa que carecia então de apoio urgente. Viram-se praticamente na miséria.
 Indignada, só e desesperada pela injustiça do cunhado, ela pediu a Milarepa que fosse aprender magia negra para que ele se vingasse dos tios ultrajantes. Caso não obedecesse suas ordens, ela declarou que poria fim à própria vida. Por reverência, ainda que a contragosto ele cumpriu seus desejos  e partiu em busca de seu mestre.
 Quando voltou, escolado, lançou de imediato um feitiço sobre o vilarejo que foi acometido de um temporal inexplicável que destruiu casas, plantações e isso exterminou a vida de várias pessoas.
Depois, inconformado pelos resultados de sua vingança fatal, ele se arrependeu amargamente e decidiu corajosamente que deveria 'limpar' seu karma. Procurou então um Mestre Perfeito que pudesse aceitá-lo como discípulo. Viajou guiado por sua sede de remorso e mãos divinas, que sempre se estendem quando o coração agoniza na sede da verdade. 
 Encontrou Marpa Lotsawa, o Tradutor (1012-1097) já esperando por ele num lugar que era muito distante de sua aldeia natal. Iniciou junto ao Mestre uma longa e penosa série de 'trabalhos forçados' que o levaram muitas vezes à completa exaustão e desespero.
 Precursor de uma das linhagens ou 'escolas' de Budismo Tibetano, a Kagyu - sendo as outras cinco, Nyingma, Sakya, Bön e Gelugpa - Marpa é reverenciado como o transmissor máximo de Vajrayana e Guru Yoga na tradição do Budismo Tibetano. Em sua homenagem, a linhagem Kagyu é também chamada Marpa Kagyu.
 Como práticas preliminares, Marpa pediu-lhe desde o início que construísse várias edificações em sua propriedade e que, quando ficavam prontas,  a próxima ordem geralmente era de que Milarepa demolisse tudo e começasse uma nova obra, tendo esta última quase que inevitavelmente o mesmo destino da anterior. Marpa era impiedoso com seu 'pedreiro'. 
 Além disso, não o aceitava no círculo fechado de seus privilegiados discípulos. Milarepa implorava para receber os ensinamentos mas não obtinha permissão de juntar-se ao grupo de alunos; nem sequer assistir as práticas lhe era permitido. Quando tentou fazê-lo, por intermédio de Dakmema, a mulher de Marpa, que se apiedou dele, foi humilhado e colocado para fora sem reservas. Milarepa esteve perto do suicídio. Os deuses vergam mas não quebram. Desenvolveu assim, uma força de vontade e perseverança raramente encontradas num aspirante marginalizado.
 Após uma série de novas atribulações, que lhe valeram inclusive a fuga do templo de Marpa e seu inevitável retorno, Milarepa foi enfim admitido como discípulo e transformou-se ele mesmo em um grande e poderoso Mestre.
 Marpa sabia desde o início que Jetsun Milarepa viria procurá-lo. Havia sido previsto pelo Mahasidha Naropa, o Mestre Iluminado de Marpa, que um potencial discípulo viria a seu encontro e que este seria seu sucessor. Ainda assim, Marpa não exitou em nenhum momento em colocar seu brilhante aluno à prova com o intuito de eliminar suas obscurações e fazer dele não apenas um estudante mas um Mestre Incomparável, à altura de seu maravilhoso e divino potencial.
 Algumas edificações que Milarepa ergueu ainda se encontram firmes e resistentes até os dias de hoje. É possível visitá-las no lugar da antiga e ampla propriedade de Marpa em Lhodrak, região sudeste do Tibete.
 É dito que Jetsun Milarepa tinha poderes extraordinários. Ele podia transformar-se em diferentes animais e era visto com frequência voando pela vastidão dos céus gelados das montanhas.






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