Léo Querido, escrevi para você na semana passada, mas relendo a mensagem, no meio da redação dela desisti completamente de mandá-la. Achei que depois de um intervalo, enviar uma mensagem repleta de queixas pelo momento seria algo inferior e não quis compartilhar um instante de tensão, achei que seria muito inapropriado.
Muita da minha energia e do meu tempo para escrever tenho dispendido nos blogs. Não param de surgir coisas novas e as cartas que tenho escrito tanto para você como para Chela e Mará, as irmãs da Maga em Araraquara, têm sido um impulso para compor novos textos. Há um blog de cartas, inclusive duas endereçadas a você estão lá. Mas outros textos estão surgindo e em paralelo as poesias respondem de outra forma. Pareço entrar de repente numa sala de espelhos e adivinhar em cada canto uma revelação que esteve ali esperando por ser descoberta de alguma forma. Léo, não me lembro de nenhuma época em que escrevesse tanto minhas próprias coisas.
E as aquarelas também, que não param de me atormentar. Com elas estou sempre em falta. Às vezes surgem como relâmpagos. É só seguir o lampejo. Faróis em pleno alto-mar. Algumas serão suas. E só de escrever isso agora, minha lista de débitos com elas só faz aumentar. Além das séries de pimentas, pássaros locais e still life ainda quero trabalhar algumas paisagens. Criar é a melhor e mais fiel companhia. Não há méritos. Mas não há garantias, só esforços.
Observar como o processo de criação se dá tem sido uma surpresa. As poesias sempre aconteceram de uma forma própria, parecendo seguirem leis que não estão de todo sob meu controle ou possibilidade de visão. Os textos por seu turno, tratam muitas vezes de várias perspectivas ao mesmo tempo e ao final tudo se amarra. Novamente surge a analogia da sala de espelhos. E às vezes de uma forma completamente independente de como havia concebido o rumo da narrativa, surgem encruzilhadas onde entro confiante para depois colher o assombro na conclusão de tudo. A Mará tem mandado uns comentários estratosféricos para mim e que têm me surpreendido e encorajado ainda mais. Foco de uma visão literária afiada como a dela, onde tudo ela analisa sob um ângulo linguístico e extremamente treinado, o que concluo muitas vezes é que a coisa brota de mim totalmente isenta do meu controle ou capacidade. Vem de um além-mim. A ousadia de tratar grandes oitavas nos mostra nossa dimensão e tamanho, assim como aponta possibilidades e transcendências das quais não somos lúcidos a respeito.
Incrível que depois de passar uma vida escrevendo ainda encontre tanto material a ser compreendido.
A energia do outono tem trazido maior introspecção. O jardim mudou por completo. Imediatamente as folhagens adquiriram mais vida e as flores começaram a surgir. Preciso tirar logo alguns cactos da terra porque talvez eles ressintam a temperatura que diminui cada vez mais. Estou mais silencioso. Pareço viver uma nova estação também. Tomado por vocabulários e verbos. Penso em comida algumas vezes, mas nada que me tome o tempo e a inspiração. E com você o tempo todo no meu sentido como uma companhia constante e ausente. E aquilo que poderia parecer antagônico se mostra gentil como um bebê que quieto dorme.
Escrevi para a Eliana dizendo que a única coisa da qual realmente sinto falta no Brasil é do Ipê. É óbvio que não tenho claro as fronteiras entre você e o restaurante, Léo, já que para mim um prolonga a dimensão do outro. Noto também que não deixo muito que meu olhar se solte no vácuo que sua falta me traz. Há um sofrer, uma saudade que não há meio de esfriar e junto com esses sentimentos, uma certeza maior de que faz parte da nossa geografia pessoal este traçado. De que é assim que tem de ser e esse passo para você talvez seja muito mais decisivo que para mim. O mais significativo é que nada disso tem qualquer peso quanto à sinceridade do nosso afeto mútuo e sua grandeza. Ainda que distante de você, há um processo de crescimento conectado entre nossos seres. Um fermento necessário para nossos pães. Espero que tenhamos delicadeza e sabedoria o suficiente para pilotar esse forno!
E minha experiência no Ipê Amarelo, Léo, ainda estou digerindo e tenho certeza de que vai render muito pano pra manga. Com você eu vivi neste lugar um pequeno grande cosmos. Meu único lamento é não ter tido mais equilíbrio emocional e inteligência em momentos onde isso me faltou e, obrigatoriamente, o restaurante como organismo vivo que é, de uma forma ou outra refletiu essa incapacidade. Meus amigos sentem um pouco de ciúme pela dedicação que sempre tive por você. Talvez se eu estivesse no lugar deles sentiria o mesmo. E minha relação com você é algo completamente legítimo, jamais aconteceu um script parecido com este.
O Retiro está por acontecer e nem por isso tenho me lançado a nenhuma expectativa ou imaginação a respeito dele. No meu último Follow Up estava tão à vontade com o Dan que achei uma brecha para ler "Ein Gedi", poema dedicado a ele. Ficou comovido. E o Dan em Follow Up, Léo, é igual a espada de Manjushri, cuja lâmina é dupla. Corte certeiro em qualquer redundância ou excesso. Mas seu coração de Mestre Compassivo ficou tocado. Bingo.
Bem, uma novidade é que a Andrea está pensando seriamente em vir passear aqui em Novembro. Acho que pode ser muito positivo para ela sair um pouco da rotina de vida que a cerca, principalmente a super proteção de casa que ao invés de fortalecer muitas vezes debilita. Criar... Quem sabe a fórmula?
Vou manter a carta de lamentações aqui junto a esta. Só para deixar claro que o Cássio já se recuperou 100%. Acabei de socorrer um gato adolescente das garras negras dele agora mesmo, na ruazinha de casa. Macaco Preto!
Preciso fazer a lição, Tito! Quero te ligar qualquer dia desses. Matar saudades da sua voz. Gostei tanto daquela foto de terno! Fiquei namorando vocês dois na tela ampliando no zoom do View. Essa marca que você tem na sua testa, quase no terceiro olho... O sino de S. João Batista bate as 18:30. Hora de bom menino fazer o dever de casa.
Fique com Todo meu Amor, Tito! Um beijo estalado no rosto da Isa! Sempre seu. No Dharma. C.
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