Por uma questão de tempo e espaço, redes que invariavelmente se confundem, as percepções sobre você vêm até mim como leves sussurros. Imagino tudo o que você está vivendo esses dias, assim como você também tem noção muito clara dos meus.
Entendo seu silêncio atual. É assim mesmo. Eu também não encontro muito expediente para falar ou atender telefonemas. Não tenho o que dizer. E não gosto de atender à curiosidade fútil de quem pergunta como estou conseguindo sobreviver a esses tempos. Estou. Nem mesmo sei como, mas estou.
É dispensável dizer o quanto tudo é estranho. Irreal. Não sabemos dizer mais os nomes das canções. É difícil sintonizar o amargo dos dias com o mel que uma vez correu tão livremente. O tempo é de espera. Enquanto isso, tudo entra em colapso à nossa volta. Como manter a órbita ao redor daquilo que pulsa irremediavelmente quando a sombra irrecuperável do que ficou para trás parece uma estação vencida, como um coração reverberando ecos do que já não está.
O fato é que tudo parece afirmar a presença constante do tempo como um elemento frio de gravidade, e que jamais senti tão longo. Coisas que me pareciam tão recentes, ainda que remotas, hoje transparecem por trás das máscaras de proteção como verdadeiros dinossauros de outras eras. Memórias ganharam séculos em suas pandoras. A vida parece ser longa demais! Cansa. Sinto que envelheço inevitavelmente a cada dia como nunca antes. Mas lá no fundo existe paz, uma paz inexplicável.
Pela janela ouço o mar em noites bravias cantando ondas independentes nas venezianas fechadas. Mais um verão que se esvai em areia de ampulheta.
Pensei seriamente em revisar meus textos e tenho adiado essa tarefa por não saber ao certo o que restará depois de tudo. Tenho controvérsias desde os primeiros versos e mesmo que hoje ninguém leia poesia, ainda é o que me justifica e que definitivamente permanece.
...
Ontem mesmo iniciei minha revisão. De cara os dois primeiros poemas transformaram-se num só. E eles se complementam admiravelmente. Estou trabalhando primeiro nos arquivos que tenho em ‘documentos’. Depois eu decido o que fazer. Envio este e-mail curto assim mesmo. E continuarei na sequência. Para não me perder nos calhamaços onde começo a enveredar por outras vias para não raro me encontrar depois num mato completamente sem cachorro.
Há tempos estou com vontade de lhe escrever. Só para estar perto um pouco, nas entrelinhas, como quem costura uma colcha de retalhos para dormir em seguida nos quadrados que finalmente se juntaram depois de tantas estórias independentes, jurando de pés juntos que os quebra-cabeças são exatamente isso: uma resposta cínica ao destino disperso daquilo que sempre esteve destinado a ficar próximo. Acho que a gente guarda lá no íntimo as costuras de reserva feito asas de condão. Os passarinhos alinhavam agora o lugar que cegamente as agulhas transpuseram antes.
Só restaram voos. O resto é céu pra contar a estória...
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