Ein Karem, 08 Agosto 2014
Pensei muito em você
quando estive na Índia. É lógico e mais que esperado que ainda
esteja totalmente tomado pelas impressões dessa terra sagrada, a
Índia que sempre amei mais que qualquer lugar neste mundo, desde a
minha adolescência e que foi o único país que realmente quis
conhecer nesta vida. Meher Baba reforçou toda minha paixão por ela
e para mim era indissociável pensar que estava pisando em Sua terra
natal. Índia cheia de deuses, pessoas, miséria e magia, tudo ao
mesmo tempo! O caos de Deus!
Saímos de Israel em
pleno estado de guerra, com mísseis sendo atacados pelos quipat
barzel, inclusive sobre as imediações de Jerusalém, alarmes
tocando terror e todo o clima de desespero, identificação e medo
que toma as pessoas, como você mesmo já presenciou quando esteve
aqui. Alguns voos começaram a ser cancelados naqueles dias e
'deixei' que as coisas tomassem o rumo que deveriam tomar. Só
acreditei mesmo que tinha cumprido meu feito quando aterrizamos em
Mumbai, Maharashtra.
Horas de espera até a
conexão para Delhi e de lá mais um voo num aviãozinho pequeno e
barulhento para Ladakh. Já estava tomando remédios por conta de me
preparar para a altitude. É sugerido que se faça esse destino pouco
a pouco, para dar tempo ao corpo acostumar-se com o ar rarefeito.
Quase vinte e quatro horas na estrada e minha coluna arrebentada numa
daquelas crises que surgem quando não faço as torções. Pegar as
malas das esteiras nos aeroportos era um massacre. Mas eu encarei
como um pagamento. Os deuses não me deixariam ir para o Oriente
assim, de mãos abanando. Deus esteja!
Havia o final do
Kalachakra em Ladakh com o Dalai Lama, logo no primeiro dia. Mas foi
impossível. A sensação é muito estranha. Uma dor de cabeça
parecida com enxaqueca, um mal estar inexplicável, cracas de sangue
no nariz por causa do ar seco e da poeira e o nocaute final do
cansaço de tantas horas entre aviões e aeroportos. Passei dois dias
estatelado na cama. Vértebras que não estalavam de jeito algum e a
obrigação de tomar água (quatro litros por dia, no mínimo!) para
repor a falta de oxigênio no organismo. Logo eu que não tomo água
de jeito algum.
Mas depois disso foi o
Éden em forma de Paraíso. Vários inumeráveis mosteiros, uma
paisagem diferente entre deserto e verde pelas estradas, uma
amplitude de lugares abertos e um sol incandescente nos miolos. Os
meninos que trabalhavam na pousada onde ficamos em Saboo Village,
afastada de Leh, o centro comercial de Ladakh, eram um show de
bondade e simpatia. Uma comida excelente, preparada por três
cozinheiros nepalis que me levavam ao delírio.
É notável que Rodrigo
tenha nascido quando eu estava em Ladakh. Sonhei duas vezes que você
tinha ido até lá para me dar a notícia mas errei nas datas.
Em nosso roteiro, duas
longas viagens de seis horas de ida de carro, por duas das estradas
mais elevadas do planeta, a Khardungla Road, esta a mais alta, para
ir até Nubra Valley e outra, a Changla Pass, para dormir num
acampamento junto ao Pangong Lake, perto da fronteira da China e do
Tibete. Na volta do Pangong Lake eu quis visitar um mosteiro
conectado com Padmasambhava, o Takh-Takh. Construído sobre uma
caverna onde ele passou três anos em meditação, foi o único lugar
onde não havia um único turista. Deleite. A caverna, normalmente
fechada ao público, foi aberta gentilmente por um monge carrancudo
depois que apanhei suas sandálias do chão e coloquei perto de seus
pés para que as calçasse.
Quando fomos ao Nubra
Valley dormimos num camping e dali não gostei nem um pouco. Mas na
volta passamos pelo Mosteiro Deskit, construído no século XIV. Uma
grande stupa próxima com uma estátua do Buddha Maytreia maravilhosa
olha toda a imensidão do vale. Paisagem de perder o fôlego. Na
volta de Pangong uma marmota na estrada veio comer biscoito na minha
mão. Era a contraparte da viagem a Nubra, onde tirei um desses
animais da estrada que acabara de ser atropelado e morto por uma van
desatenta! Eu não vi quando aconteceu. Mindjur, nosso companheiro de
estrada e motorista foi quem me alertou. Chorei muito, tomando seu
corpo gorducho ainda quente nas minhas mãos. Acariciei suas
orelhinhas e as axilas gastas pelos anos de coça-coça. A Deus
dada... Pedi tantas desculpas por aquela vida. Custei a me recuperar.
Foi um baque.
Depois de dez dias em
Kashmir fomos para Dharamsala. Com dor no coração por deixar Tikam,
Dolma, Khapur, Piroo, Beemraj e Rigzim. Escrevi dois poemas na
estrada. Estão no blog. Levitação total!
Dharamsala foi o oposto
disto tudo. Neblina, chuva, ruas estreitas apinhadas de gente,
buzinas o tempo todo do lado de fora e logo no primeiro dia um carro
prensou meu calcanhar esquerdo enquanto eu fotografava um boi negro
na rua e aquilo pareceu vindo de um sonho estranho. Minha reação
foi zen, Ri! Olhei o motorista e dei dois toques no capô do
automóvel com os punhos fechados, olhando para seus olhos. Puxei meu
pé que milagrosamente saiu sem esforço do beliscão que havia
tomado e, pasme, nenhuma marca ou dor resultantes. Eu estava de
botas, talvez tenha ajudado e muito! O boi veio depois mugindo atrás
de mim pela rua. Foi tão telegráfico que a Lily nem percebeu o que
realmente tinha acontecido. Levei dois dias para poder contar a ela.
Mas não tive dor sequer!
Entrei numa loja
chiquérrima neste dia para ver umas estátuas douradas de
Padmasambhava e quando fui pagar percebi que minha bolsa tinha merda
de vaca nos bolsos. Não cheirava mal. Valia tudo! Não limpei até o
dia seguinte. Dizem que dá sorte! A minha estava dada.
Li muito em Dharamsala.
Uma biografia toda de Gampopa na varanda do meu quarto na Guest
House. Uma família tibetana. Duas deusas chefiavam o negócio como
quatro homens fortes, Passam e Sonam. E um cãozinho branco lindo que
fez amizade logo de cara, Simtrul! Ele tinha o mesmo caráter do
Yuki. Ficava embaixo de nossa mesa em todos os cafés da manhã.
Comprei livros essenciais
sobre Mahamudra em algumas livrarias. Estou bebendo de todos! Um por
um, parcimoniosamente. No momento uma joia preciosa escrita por
Gampopa: “The Jewel Ornament of Liberation”. Imprescindível!
Os voos para Delhi
estavam atrasando todos os dias e decidimos não correr o risco de
perder nossa conexão para Puna e encontrar nosso guia Baba Lover,
Prakash, para nos levar a Meherazad dia 03.
Para isso alugamos um
carro. Um motorista atento como um tigre e levíssimo, Subbás. Dez
horas na estrada. Cruzamos três estados em plena madrugada: Himachal
Pradesh, Punjab e Haryana.
Às duas da manhã Subbás
parou num 'restaurante' de estrada para mijar. Que lugar, Ri! Punjab.
Um galpão imenso de teto alto e coberto por telhas de amianto num
chão de terra batida que um velho de turbante encardido varria
imaculadamente o tempo todo. Várias panelas negras de barro
alinhadas sobre um fogão na beirada do barracão. Na parte de fora,
num enorme quintal aberto, o proprietário e um menino, seu ajudante,
faziam uma refeição numa mesa quadrada e baixa. Ele sentado numa
cadeira e o menino, sobre a mesa. Esse moleque era um neguinho
cozido, Ri, com os cabelos arrepiados e secos de poeira, um bicho do
mato que mal me olhou quando me sentei perto de Subbás para tomar um
chá. Ele ficou lá, de costas para nós beliscando dos pratos como
um paxá.
Um estilo selvagem. O som
alto que vinha das caixas reforçava sua performance no meio da
noite! Figura! Uma música louca, como todo o som do Punjab, que é
adorado na Índia toda. Uma música eletrizante, cheia de percussão
e êxtase que te conduz por caminhos que você jamais ousou pensar
poderiam existir... Delírio a ser trilhado! Olhei Subbás e o
proprietário, depois de mirar o velho de turbante em sua sina no
terreiro batido... Eles também olharam para ele e balançaram a
cabeça para mim naquele gesto tão típico dos indianos. Olhos nos
olhos. Indescritível. Foi um dos momentos em que mais pensei em
você. Só você pra ser meu cúmplice e sentir tudo o que eu sentia!
Parecia que eu estava numa viagem de LSD, tamanha era a doideira e o
clima naquele lugar. Uma náusea a espreita nas vísceras como se
movida por mãos de anfetamina! Uma chama acesa no pé de uma grande
árvore... Shiva... Comentei com Subbás sobre a música. Novo
chacoalhar de cabeça e um sorriso de aprovação com o brilho
radiante de seus olhos negros: “Punjabi music!”
Assim chegamos a Delhi as
8:00 horas da manhã do último sábado. Tomamos o voo para Puna às
15:00 hs. Estendi minhas blusas e meu xale de yaki nas cadeiras e
dormi profunda e desavergonhadamente no saguão do aeroporto. Sonhos
coloridos o tempo todo. Garudas, incensos inebriantes, nuvens e
thangkas fantásticos povoavam meus sentidos... Acordei de pau duro e
feliz da vida, como se tivesse feito amor a manhã toda!
Chovia em Puna quando
chegamos no começo da noite. Uma imagem de Sai Baba fumava
tranquilamente na recepção do hotel. Ligamos para Prakash para
confirmar nossa ida a Meherazad. Nada. Minutos depois ele retorna a
ligação. Nos encontraremos domingo às 8:00 da manhã.
Quando acordo, olho o céu
cor de chumbo com nuvens pesadas sob Puna que também despertava
sonolenta e úmida. A partir daí e até tomar o voo para Israel,
Prakash estará conosco. É um Baba Lover que me trará de volta ao
aeroporto de Delhi na segunda-feira, sob uma chuva torrencial de
bênçãos.
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