sábado, 9 de agosto de 2014

Do Amor que move o Sol e outras Estrelas...


05.07.14

Querida J.

Reservei o sábado para colocar minha correspondência em dia e sua carta é minha prioridade. Quis muito ter enviado uma cópia da mensagem que redigi ao I.B. mas soaria muito impessoal e estamos tratando aqui de compartilhar individualmente nossas experiências.
Pensei estes dias em como abordar tudo quanto gostaria de dividir com você deste material que tenho trazido na alma tatuado a ferro e fogo.
Antes de mais nada quero protestar contra a profunda saudade de você. Não há como deixar à parte o grande detalhe. É notável como sem ruídos, séria e sutilmente, estabelecemos este vínculo de amizade que atravessou fronteiras de tempo e espaço. E como tratamos de ser intencionais em muitos momentos difíceis e aparentemente intransponíveis. Mas nós o fizemos, J.! Com nosso mais alto senso de amor e cultivo à nossa tão nova amizade e ao mesmo tempo tão remota. Enigmas que vivemos sem explicação. Tal é a febre de alma.
Mesmo a distância tem feito crescer em mim sentimentos que amadurecem silenciosos nesta árvore de vida que somos. Gostaria antes de mais nada, de agradecer toda a ternura e amor incondicionais que tem transmitido nestes poucos anos de convivência visível. Só o Logos sabe de onde trouxemos todo esse material!
Muitas vezes, ver a mãe que você é tem jogado focos de luz sobre minhas próprias experiências com a peça que me deram. Há amigos que para nós são eternos refletores neste palco de vida. A confiança emocional que deposito em você não tem precedentes. E emoldurando tudo isto, ainda há o fato sempre dourado de você ser a esposa de um grande amigo e mãe de duas crianças que esperei anos a fio para ver virem à luz. Mas de uma forma tão legítima que não passa exclusivamente por este filtro divino, abrange ainda outros maiores e ainda desconhecidos significados, o que torna nossa amizade ainda mais inédita e endeusada.
Por isto sempre compartilho a mágica presente ao meu redor. É lei para meus olhos. A luz não teria sentido se fosse vivida apenas pelo sol. E luz é o que todos somos! As nuvens que o dia a dia oferece obscurecem vez ou outra a afirmação mas a feliz companhia dos deuses termina por varrer de todo qualquer resquício de breu quando nosso coração cria condições propícias e abre campo para nosso propósito embaixo deste mesmo sol.
Desde que encontrei nossa escola, a existência passou a ter um significado maior e sublime. Todas as respostas cegas que encontrara anteriormente através da Arte, para mim sempre a maior referência e o que justificava minha vida, tomaram um vulto secundário perante a compreensão que o Trabalho trouxe. O próprio significado da Arte adquiriu um nível objetivo e superior. Passei a compreender coisas que para mim antes eram enigmas, como muitas passagens do Evangelho e mistérios que estancavam no patamar do dogma, como a relação entre pessoas, que sempre suspeitei seguirem uma regra nas entrelinhas e que a Teoria dos Tipos tão bem elucida, assim como outros conhecimentos paralelos como a Astrologia.
É a experiência pessoal que está sendo relatada aqui, já que meu centro magnético foi formado por Arte, Religião, Astrologia e drogas. Mas nunca tive claro que buscava algo, ainda que minhas poesias tivessem falado de busca o tempo todo. A alma lateja seus desejos íntimos sem que nos apercebamos de sua voz em muitas expressões de nossa vida...
O trabalho que o Quarto Caminho sinaliza é uma educação divina sobre as funções e que nossa escola catalisou de uma forma muito especial, como talvez nenhum outro grupo conectado a estas ideias tenha conseguido realizar. Mas aqui também há um limite para outros níveis elevados de consciência que a escola não tem definitivamente como fornecer as ferramentas ou mesmo as saídas. A forma como alguns estudantes cristalizam com a melhor das intenções mostra isto.
Quando encontrei esta Meditação reconheci na expressão dela neste momento da história da nossa civilização uma manifestação clara de Influência C. Uma nova roupagem, numa diferente tradição, mas num sentido de urgência como talvez aqueles que tiveram contato com Gurdjieff devem ter sentido naquele momento em que o Quarto Caminho veio à tona no ocidente mais uma vez.
Eu não costumo me fascinar com mestres ou gurus, J., você sabe bem disso! Estar numa máquina instintiva e lunar é carregar um ceticismo sempre de plantão.
Mas vejo em D. B. não um simples professor e sim, um Mestre. O que tenho vivido praticando esses ensinamentos ter permeado minha vida de um sentido que julgava não ressoar mais, desde o momento mágico em que encontrei a escola há vinte e seis anos.
algo aqui, J., é tudo que posso afirmar sem nuvem alguma de dúvida. E novamente, compartilhar esta luz encontrada com você é para mim algo precioso. A chance de poder checar meu 'tratar' com alguém que é um veículo deste ensinamento como D. B. é imperdível.
Devido ao seu trabalho de tradução de textos até agora desconhecidos no ocidente e mesmo dentro de algumas linhagens budistas, D. está pouco a pouco dando mais prioridade a este outro papel que lhe foi oferecido. É muito claro seu senso de prioridade, além de grande exemplo a ser seguido em qualquer nível de ação como seu estudante.
Eu gostaria muito que você pensasse na possibilidade de fazer este Retiro em algum país que não fosse o Brasil. E que você o fizesse com o próprio D.
Ele ainda ministra o Nível 1 em alguns lugares da sua agenda mas é algo que segundo ele não estará mais ao alcance num futuro muito próximo.
Vejo que este trem pras estrelas começa a acelerar seu ritmo e ficaria muito triste se você e I.B. perdessem a oportunidade que ainda está ao alcance.
Ligo para você nesta semana para conversarmos a respeito. A correspondência ainda é limitada para poder expressar o coração latejante.
Perdão se tenho sido insistente ao ponto da inconveniência, mas o que me move aqui é meu amor por você e por ele. E logicamente não posso ignorar seu livre arbítrio.
E eu sei da sua sede em tornar-se um ser humano melhor, J.! Este é o nosso ponto de encontro, estou certo, aquele que tem contado desde sempre, talvez na bagagem de outras tantas vidas que já compartilhamos como amigos. Por favor, considere com carinho tudo o que lhe digo, minha doce e querida amiga. Aqui está minha alma aberta oferecida a você neste ponto de nossa existência diante da eternidade. Não há silêncio, tudo vibra. Que dobrem os sinos do despertar! E que eles cantem a favor de nossas almas!
Todo meu Amor. Sempre. No Dharma. C.



sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Ladakh, Dharamsala & Puna...



Ein Karem, 08 Agosto 2014

Pensei muito em você quando estive na Índia. É lógico e mais que esperado que ainda esteja totalmente tomado pelas impressões dessa terra sagrada, a Índia que sempre amei mais que qualquer lugar neste mundo, desde a minha adolescência e que foi o único país que realmente quis conhecer nesta vida. Meher Baba reforçou toda minha paixão por ela e para mim era indissociável pensar que estava pisando em Sua terra natal. Índia cheia de deuses, pessoas, miséria e magia, tudo ao mesmo tempo! O caos de Deus!
Saímos de Israel em pleno estado de guerra, com mísseis sendo atacados pelos quipat barzel, inclusive sobre as imediações de Jerusalém, alarmes tocando terror e todo o clima de desespero, identificação e medo que toma as pessoas, como você mesmo já presenciou quando esteve aqui. Alguns voos começaram a ser cancelados naqueles dias e 'deixei' que as coisas tomassem o rumo que deveriam tomar. Só acreditei mesmo que tinha cumprido meu feito quando aterrizamos em Mumbai, Maharashtra.
Horas de espera até a conexão para Delhi e de lá mais um voo num aviãozinho pequeno e barulhento para Ladakh. Já estava tomando remédios por conta de me preparar para a altitude. É sugerido que se faça esse destino pouco a pouco, para dar tempo ao corpo acostumar-se com o ar rarefeito. Quase vinte e quatro horas na estrada e minha coluna arrebentada numa daquelas crises que surgem quando não faço as torções. Pegar as malas das esteiras nos aeroportos era um massacre. Mas eu encarei como um pagamento. Os deuses não me deixariam ir para o Oriente assim, de mãos abanando. Deus esteja!
Havia o final do Kalachakra em Ladakh com o Dalai Lama, logo no primeiro dia. Mas foi impossível. A sensação é muito estranha. Uma dor de cabeça parecida com enxaqueca, um mal estar inexplicável, cracas de sangue no nariz por causa do ar seco e da poeira e o nocaute final do cansaço de tantas horas entre aviões e aeroportos. Passei dois dias estatelado na cama. Vértebras que não estalavam de jeito algum e a obrigação de tomar água (quatro litros por dia, no mínimo!) para repor a falta de oxigênio no organismo. Logo eu que não tomo água de jeito algum.
Mas depois disso foi o Éden em forma de Paraíso. Vários inumeráveis mosteiros, uma paisagem diferente entre deserto e verde pelas estradas, uma amplitude de lugares abertos e um sol incandescente nos miolos. Os meninos que trabalhavam na pousada onde ficamos em Saboo Village, afastada de Leh, o centro comercial de Ladakh, eram um show de bondade e simpatia. Uma comida excelente, preparada por três cozinheiros nepalis que me levavam ao delírio.
É notável que Rodrigo tenha nascido quando eu estava em Ladakh. Sonhei duas vezes que você tinha ido até lá para me dar a notícia mas errei nas datas.
Em nosso roteiro, duas longas viagens de seis horas de ida de carro, por duas das estradas mais elevadas do planeta, a Khardungla Road, esta a mais alta, para ir até Nubra Valley e outra, a Changla Pass, para dormir num acampamento junto ao Pangong Lake, perto da fronteira da China e do Tibete. Na volta do Pangong Lake eu quis visitar um mosteiro conectado com Padmasambhava, o Takh-Takh. Construído sobre uma caverna onde ele passou três anos em meditação, foi o único lugar onde não havia um único turista. Deleite. A caverna, normalmente fechada ao público, foi aberta gentilmente por um monge carrancudo depois que apanhei suas sandálias do chão e coloquei perto de seus pés para que as calçasse.
Quando fomos ao Nubra Valley dormimos num camping e dali não gostei nem um pouco. Mas na volta passamos pelo Mosteiro Deskit, construído no século XIV. Uma grande stupa próxima com uma estátua do Buddha Maytreia maravilhosa olha toda a imensidão do vale. Paisagem de perder o fôlego. Na volta de Pangong uma marmota na estrada veio comer biscoito na minha mão. Era a contraparte da viagem a Nubra, onde tirei um desses animais da estrada que acabara de ser atropelado e morto por uma van desatenta! Eu não vi quando aconteceu. Mindjur, nosso companheiro de estrada e motorista foi quem me alertou. Chorei muito, tomando seu corpo gorducho ainda quente nas minhas mãos. Acariciei suas orelhinhas e as axilas gastas pelos anos de coça-coça. A Deus dada... Pedi tantas desculpas por aquela vida. Custei a me recuperar. Foi um baque.
Depois de dez dias em Kashmir fomos para Dharamsala. Com dor no coração por deixar Tikam, Dolma, Khapur, Piroo, Beemraj e Rigzim. Escrevi dois poemas na estrada. Estão no blog. Levitação total!
Dharamsala foi o oposto disto tudo. Neblina, chuva, ruas estreitas apinhadas de gente, buzinas o tempo todo do lado de fora e logo no primeiro dia um carro prensou meu calcanhar esquerdo enquanto eu fotografava um boi negro na rua e aquilo pareceu vindo de um sonho estranho. Minha reação foi zen, Ri! Olhei o motorista e dei dois toques no capô do automóvel com os punhos fechados, olhando para seus olhos. Puxei meu pé que milagrosamente saiu sem esforço do beliscão que havia tomado e, pasme, nenhuma marca ou dor resultantes. Eu estava de botas, talvez tenha ajudado e muito! O boi veio depois mugindo atrás de mim pela rua. Foi tão telegráfico que a Lily nem percebeu o que realmente tinha acontecido. Levei dois dias para poder contar a ela. Mas não tive dor sequer!
Entrei numa loja chiquérrima neste dia para ver umas estátuas douradas de Padmasambhava e quando fui pagar percebi que minha bolsa tinha merda de vaca nos bolsos. Não cheirava mal. Valia tudo! Não limpei até o dia seguinte. Dizem que dá sorte! A minha estava dada.
Li muito em Dharamsala. Uma biografia toda de Gampopa na varanda do meu quarto na Guest House. Uma família tibetana. Duas deusas chefiavam o negócio como quatro homens fortes, Passam e Sonam. E um cãozinho branco lindo que fez amizade logo de cara, Simtrul! Ele tinha o mesmo caráter do Yuki. Ficava embaixo de nossa mesa em todos os cafés da manhã.
Comprei livros essenciais sobre Mahamudra em algumas livrarias. Estou bebendo de todos! Um por um, parcimoniosamente. No momento uma joia preciosa escrita por Gampopa: “The Jewel Ornament of Liberation”. Imprescindível!
Os voos para Delhi estavam atrasando todos os dias e decidimos não correr o risco de perder nossa conexão para Puna e encontrar nosso guia Baba Lover, Prakash, para nos levar a Meherazad dia 03.
Para isso alugamos um carro. Um motorista atento como um tigre e levíssimo, Subbás. Dez horas na estrada. Cruzamos três estados em plena madrugada: Himachal Pradesh, Punjab e Haryana.
Às duas da manhã Subbás parou num 'restaurante' de estrada para mijar. Que lugar, Ri! Punjab. Um galpão imenso de teto alto e coberto por telhas de amianto num chão de terra batida que um velho de turbante encardido varria imaculadamente o tempo todo. Várias panelas negras de barro alinhadas sobre um fogão na beirada do barracão. Na parte de fora, num enorme quintal aberto, o proprietário e um menino, seu ajudante, faziam uma refeição numa mesa quadrada e baixa. Ele sentado numa cadeira e o menino, sobre a mesa. Esse moleque era um neguinho cozido, Ri, com os cabelos arrepiados e secos de poeira, um bicho do mato que mal me olhou quando me sentei perto de Subbás para tomar um chá. Ele ficou lá, de costas para nós beliscando dos pratos como um paxá.
Um estilo selvagem. O som alto que vinha das caixas reforçava sua performance no meio da noite! Figura! Uma música louca, como todo o som do Punjab, que é adorado na Índia toda. Uma música eletrizante, cheia de percussão e êxtase que te conduz por caminhos que você jamais ousou pensar poderiam existir... Delírio a ser trilhado! Olhei Subbás e o proprietário, depois de mirar o velho de turbante em sua sina no terreiro batido... Eles também olharam para ele e balançaram a cabeça para mim naquele gesto tão típico dos indianos. Olhos nos olhos. Indescritível. Foi um dos momentos em que mais pensei em você. Só você pra ser meu cúmplice e sentir tudo o que eu sentia! Parecia que eu estava numa viagem de LSD, tamanha era a doideira e o clima naquele lugar. Uma náusea a espreita nas vísceras como se movida por mãos de anfetamina! Uma chama acesa no pé de uma grande árvore... Shiva... Comentei com Subbás sobre a música. Novo chacoalhar de cabeça e um sorriso de aprovação com o brilho radiante de seus olhos negros: “Punjabi music!”

Assim chegamos a Delhi as 8:00 horas da manhã do último sábado. Tomamos o voo para Puna às 15:00 hs. Estendi minhas blusas e meu xale de yaki nas cadeiras e dormi profunda e desavergonhadamente no saguão do aeroporto. Sonhos coloridos o tempo todo. Garudas, incensos inebriantes, nuvens e thangkas fantásticos povoavam meus sentidos... Acordei de pau duro e feliz da vida, como se tivesse feito amor a manhã toda!
Chovia em Puna quando chegamos no começo da noite. Uma imagem de Sai Baba fumava tranquilamente na recepção do hotel. Ligamos para Prakash para confirmar nossa ida a Meherazad. Nada. Minutos depois ele retorna a ligação. Nos encontraremos domingo às 8:00 da manhã.

Quando acordo, olho o céu cor de chumbo com nuvens pesadas sob Puna que também despertava sonolenta e úmida. A partir daí e até tomar o voo para Israel, Prakash estará conosco. É um Baba Lover que me trará de volta ao aeroporto de Delhi na segunda-feira, sob uma chuva torrencial de bênçãos.  




quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Prakash Ghorpade




Prakash Ghorpade

Prakash Ghorpade nasceu em Satara em 1956, mesmo ano em que Meher Baba sofreu um grave acidente automobilístico na estrada em direção a essa cidade.
Filho de camponeses, vindo de uma família de sete irmãos, caminhava seis quilômetros todos os dias para ir à escola. Ganhou sua vida como entregador de leite em Puna pela manhã e dirigindo depois um riquixá pelas ruas tortuosas e tumultuadas da cidade até tarde da noite.
Casou-se aos trinta anos com uma jovem e linda mulher de Ahmednagar e foi morar neste vilarejo porque a vida nesta região era mais confortável e próxima à sua essência de homem do campo.
Por conhecer bem Puna e Mumbai, Prakash logo começou a trabalhar como motorista para o Pilgrim Retreat buscando Baba Lovers no aeroporto e conduzindo-os aos lugares conectados com o advento de Meher Baba. Foi assim que Prakash aprimorou seu inglês e começou a se interessar pelo motivo que trazia pessoas de lugares tão distantes àquele lugar pouco comum para turismo.
Certa vez Prakash resolveu seguir as pessoas que trouxera ao Samadhi de Meher Baba. Por que não? Entrou respeitosamente na cripta coberta de lindos afrescos e circundada de um silêncio comovente por aqueles que a visitavam. Curvou-se perante o túmulo do Avatar, como todos faziam... Recebeu seu darshan.
Dias depois ele sonhou com Meher Baba. E foi então tomado de amor pelo Deus-Homem. A partir daí, segundo ele mesmo disse, sua existência mudou completamente.
Ele passou a ver toda sua vida conectada de alguma forma com as pistas e encruzilhadas que traçaram sua vida até Ahmednagar para o oceano do abraço de Baba.
Numa das muitas viagens a trabalho até Meherazad ele teve a chance de ser o motorista de Bal Natu. Elogiado pela forma atenta e zelosa como dirigia, Bal disse-lhe que seu ofício era uma forma de trabalho para Meher Baba e que assim ele deveria exercer sua atividade profissional. Sua esposa tornou-se uma devota, assim como seu filho de 22 anos.

Foi este homem delicado e bondoso que foi me buscar numa manhã cinzenta e chuvosa num hotel em Puna, em Bund Garden Road, a duas quadras de Guruprasad, local do último Darshan Público do Avatar Meher Baba. Este foi o primeiro choque para aquele domingo que abriria um sol de sorrisos em minha vida, deixando cair levemente apenas uma fina garoa a cada novo lugar que acabasse de visitar, como se fosse um afago num bicho de estimação, uma lembrança viva vinda diretamente do céu, tão azul agora como o deus Krishna.

Assim, senti-me na companhia de um mandali e procurava ver nos seus traços morenos de caboclo alguma semelhança entre as várias fotos dos discípulos que conhecia tão bem no meu coração ao longo de todos estes anos de espera...
Uma noite, ainda em Dharamsala, fomos, eu e Lily a um restaurante tibetano muito bom, dirigido a mãos de ferro por uma mulher que mais lembrava um ícone: Diki. Um lugar pequeno, com apenas seis mesas e uma comida excelente. Uma família de cinco pessoas sentara-se numa mesa diagonalmente oposta à nossa.
Para minha surpresa, a jovem senhora mãe dos três filhos educados e belos tinha o mesmo rosto de Mehera, excluindo-se o fato de seu estrabismo evidente mas que ricamente lhe proporcionava ao semblante uma expressão de humildade que me comovia de uma forma inexplicável e quieta. Olhar para ela era como ter Mehera diante de mim. O mesmo corte de cabelo, a mesma forma de rosto e a suavidade comovente das mulheres indianas...

Nosso primeiro destino foi Meherazad. Última residência física de Baba, a propriedade mantém a aura de sua presença vibrando pela casa em cada canto. Junto conosco, poucos visitantes estavam ali. Tinha minha câmera no bolso das calças mas proferir um flash dentro daquela casa seria um ultraje para meus próprios e íntimos sentimentos.
O quarto espartano de Baba, pintado de rosa e exalando uma atmosfera de amor como nunca antes vira diante de mim... A cozinha onde Baba fazia suas refeições, com Mehera à sua direita e Mani à esquerda, numa disposição semelhante aos túmulos que lhes reservou a vontade do Avatar junto ao seu Samadhi. O quarto que foi de Mani e Mehera, sua cama que me pediram não tocasse para manter a tradição de mantê-la imaculada de mãos masculinas e de cuja janela se via a árvore de Umar, onde milagrosamente o rosto de Baba surgiu meses depois de ele ter abandonado o corpo. O piso tem uma das lajotas próxima da janela gasta pelo tempo que Mehera permaneceu ali olhando seu Amado. O poder do Amor...
Muito tempo antes de partir, Baba, conversando com alguém junto a esta árvore, comentou que gostava muito dela. Mehera surpreendeu-se e perguntou-lhe o por quê. Para ela aquela árvore não era especialmente bonita, pelo contrário, até meio rudimentar e cheia de calosidades que lhe davam uma estranha forma encarquilhada. Baba respondeu apenas que um dia ela iria saber...
Depois de tanto tempo a forma de seu rosto desapareceu. Mas olhar esta velha árvore de Umar da janela do quarto que foi de Mehera era como estar em casa, a verdadeira casa para a qual sempre queremos voltar um dia.
Haveria a projeção de um filme no Mandali Hall, “You Alone Exist”. O irmão de Eruch estava presente. Uma delícia. Ver as imagens de Meher Baba em plena Meherazad! Só Deus mesmo pra ter tanta misericórdia...
Dia 3 de Agosto era aniversário de Dr. Goher, uma das quatro mulheres mandalis que seguiram Baba na New Life. E ela foi sua médica particular até o final, mesmo não querendo, tentando convencer Baba o tempo todo de que ele deveria procurar um especialista mais experiente. Ele não moveu uma palha a respeito.
Quando já estávamos partindo, uma surpresa digna de um banquete. Uma das adoráveis mulheres responsáveis por manter Meherazad veio em nossa direção com uma bacia cheia de mangas maduras. Ofereceu uma manga para cada um. Adivinhei antes que ela me contasse a história que já sabia em meu coração de Baba Lover:
Baba sempre foi muito atencioso e rigoroso com qualquer presente que um mast lhe oferecesse. Poderia ser uma pedra, um papel, o que fosse. Baba trataria do presente como de um tesouro. Um mast deu-lhe uma manga certa vez. Baba comeu, como sempre o fazia. O caroço foi plantado por uma das mandalis e transformou-se numa linda árvore! Que darshan! Comi minha manga com casca e tudo quando cheguei ao hotel. Doce, macia, carnuda... Guardei o caroço dela que hoje está no pequeno altar que tenho em casa com uma estátua linda de Padmasambhava que trouxe de Dharamsala.
Em nenhum momento é pedido que se pague por nada. Se alguém quiser oferecer alguma contribuição deve fazê-lo diretamente à Avatar Meher Baba Perpetual Public Charitable Trust, uma fundação criada pelo próprio Baba em 1959 para atender as várias necessidades dos peregrinos que viessem no futuro e criar meios de oferecer serviço em diferentes maneiras para a população, seja por hospitais, escolas, clínicas veterinárias etc. Mani Irani administrou esta organização por vinte anos, sendo substituída depois por Bhau Khalchuri.
Baba não quer de forma alguma que dinheiro seja feito em seu nome. É o Trust Office que mantém Meherazad, Meherabad e o Samadhi, assim como todos os outros lugares que estão relacionados à passagem do Avatar pela Terra.

Meherabad mantém-se impecável. No topo de sua colina foi construído o Meher Pilgrim Retreat, um lugar agradável e aconchegante que abriga os peregrinos que querem estar mais perto destes lugares sagrados. Tudo organizado. Um sistema de ônibus pertencentes à Trust faz visitas frequentes aos outros locais para quem estiver hospedado ali. Em tudo há ordem. Como sempre, homens de um lado e mulheres do outro. Os mandalis estão enterrados no cemitério em Meherabad. As mulheres, junto ao Samadhi. É possível ir na caminhada do Pilgrim Retreat até lá. Um simpático caminho foi construído. Ele não deixou nada por ser feito. Só cabe a nós continuar a amá-Lo.
Todo Amor. No Dharma. C.