sexta-feira, 14 de março de 2014

Guimarães Rosa



Miguilim

Por conta de tudo isto e por invocação de Rosa na minha gira, me avistei de novo com o eterno Miguilim. Tanto insisti com a Merav para que publicasse essa estória por sua editora, a Asia...
Vim em 2010 a Israel para extirpar duas hérnias por laparoscopia no Hospital Hambam de Haifa, com um cirurgião árabe, Dr. Bechara: laser perfeito.
Trouxe meu Grande Sertão comigo. A esmo. Acabei lendo um livro super light na minha recuperação: The Mystics of Islam, de Reynold A. Nicholson. Ele foi o primeiro tradutor de Rumi em língua inglesa. Sua obra máxima, talvez, o 'Masnavi' de Rumi em oito volumes, foi traduzido de 1925 a 1940. Uma fábula! Mas ele tem outros dois grandes livros influentes: The Literary History of the Arabs e este que li, The Mystics...
Livro levíssimo, com 160 pgs e capítulos estrondosos assim: “O Caminho, Iluminação e Êxtase, Gnosis, Amor Divino, Santos e Milagres, O Estado de Unidade”. Tudo sutil. E citando o tempo todo místicos como Dhu 'l-Nun, Bayazid, Rabia e acima de tudo, Jalaluddin Rumi, o Maulana.
Cura total.

Ao final de tudo, num jantar de despedida, fiz Moussaka com pudim de leite condensado de sobremesa. E conversando com Merav depois, ela me toca no nome de Guimarães Rosa. Tentara negociar os direitos de Grande Sertão com o advogado dos herdeiros, um libanês, segundo ela. Quiseram uma fortuna. Sem condições. E tradutor? Quem pode com aquilo?
Ainda assim, dei-lhe meu exemplar de GS: e falei longamente de Campo Geral, onde Miguilim surge. E da importância que esse conto tem na literatura de Rosa; ele próprio tendo um grande apreço por esse personagem. Seria um pioneirismo fenomenal publicar Rosa em hebraico em primeira mão, fato de que, estou seguro, ela realmente não se deu conta da grandeza.

Miguilim é a alma de todos nós. Por isso a história tem esse apelo. E a forma como GR alinhava a narrativa, colorindo com o maravilhoso mundo das crianças o antagonismo patológico da tentativa de interação que acontece paralela no mundo dos adultos! A condução do texto tem essa característica míope, de focar a prioridade desfocando o secundário, assim como o contrário disso também. Há uma agonia presente, entre as paixões, os papéis e a moral. Tudo parece desfocado.
Um pai que é uma trava, filtro de véus para a relação aberta de amor entre Miguilim e a mãe, surgindo mais como uma imagem de poder castrativa. Miguilim é inclusive karamazov total em sua raiva do pai, demo que dentre outras, deu a cachorra Pingo de Ouro, para sempre a Cuca das esperanças de Miguilim em ter de volta seu bichinho de estimação.
O deleite de Campo Geral continua com a descrição dos animais, os nomes dos cachorros, as brincadeiras e... a morte do Dito, sofrimento real para Miguilim e todos nós!
E mais ainda Tio Terêz, Vó Izidra e o vodu de tirna de Mãitina, único adulto imaculado se acabando em cachaça nas cinzas de uma cafua.
Depois, tudo chega a um final que seria o mais aguardado de todos, às almas de todos nós. E junto temos o diagnóstico da miopia de Miguilim, que pode ver então um mundo microscópico antes de montar definitivamente seu cavalo e ir-se embora de vez, sem saber 'o que era alegria e tristeza'.
Acho que a força da obra de Guimarães Rosa abriu-se para mim sem precedentes depois que li Campo Geral. Miguilim é uma história que trata de iluminação, como tudo em Guimarães Rosa.

Rosa disse a Benedito Nunes (A Rosa o que é de Rosa) quando encontraram-se no Rio, que o Burrinho Pedrês era ninguém menos que Krishna. O próprio, aquele cowboy azulado. 


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