Miguilim
Por conta de tudo isto e
por invocação de Rosa na minha gira, me avistei de novo com o
eterno Miguilim. Tanto insisti com a Merav para que publicasse essa
estória por sua editora, a Asia...
Vim em 2010 a Israel para
extirpar duas hérnias por laparoscopia no Hospital Hambam de Haifa,
com um cirurgião árabe, Dr. Bechara: laser perfeito.
Trouxe meu Grande Sertão
comigo. A esmo. Acabei lendo um livro super light na minha
recuperação: The Mystics of Islam, de Reynold A.
Nicholson. Ele foi o
primeiro tradutor de Rumi em língua inglesa. Sua
obra máxima, talvez, o
'Masnavi'
de Rumi em oito volumes, foi
traduzido de 1925 a 1940. Uma
fábula! Mas ele tem outros
dois grandes livros influentes: The Literary History
of the Arabs e este
que li, The Mystics...
Livro
levíssimo, com 160 pgs e capítulos estrondosos
assim: “O
Caminho, Iluminação e Êxtase,
Gnosis, Amor Divino, Santos e Milagres, O Estado de
Unidade”. Tudo sutil. E
citando o tempo todo místicos como Dhu 'l-Nun, Bayazid, Rabia e
acima de tudo, Jalaluddin Rumi, o Maulana.
Cura
total.
Ao
final de tudo, num jantar de despedida, fiz
Moussaka com
pudim de leite condensado de
sobremesa. E
conversando com Merav depois,
ela me toca no nome de Guimarães Rosa. Tentara
negociar os direitos de Grande Sertão com o advogado dos herdeiros,
um libanês, segundo ela. Quiseram uma fortuna. Sem condições. E
tradutor? Quem pode com aquilo?
Ainda
assim, dei-lhe meu exemplar de GS: e falei longamente de Campo Geral,
onde Miguilim surge. E da importância que esse conto tem na
literatura de Rosa; ele
próprio tendo
um grande apreço por esse
personagem. Seria um
pioneirismo fenomenal publicar Rosa em hebraico em primeira mão,
fato de que,
estou seguro, ela realmente não se deu conta da grandeza.
Miguilim
é a alma de todos nós. Por isso a história tem esse apelo. E a
forma como GR alinhava a narrativa, colorindo com o maravilhoso
mundo das crianças o
antagonismo
patológico
da tentativa de
interação que acontece
paralela no mundo
dos adultos! A
condução do texto tem essa característica míope, de focar a
prioridade desfocando o secundário, assim como o contrário disso
também. Há uma agonia presente, entre as paixões, os papéis e a
moral. Tudo parece desfocado.
Um
pai que é uma trava, filtro de véus para a relação aberta de amor
entre Miguilim e a mãe, surgindo
mais como uma imagem de poder castrativa.
Miguilim é inclusive karamazov total em sua raiva do pai, demo que dentre
outras, deu a cachorra Pingo
de Ouro, para sempre a Cuca
das esperanças de Miguilim em ter de volta seu bichinho de
estimação.
O
deleite de Campo Geral continua com a
descrição dos animais, os nomes dos cachorros, as brincadeiras e...
a morte do Dito, sofrimento
real para Miguilim e todos nós!
E
mais ainda Tio Terêz, Vó Izidra e o
vodu de tirna de Mãitina, único adulto imaculado se
acabando em cachaça nas
cinzas de uma cafua.
Depois,
tudo chega a um final que seria o mais aguardado de todos, às
almas de todos nós. E junto temos o
diagnóstico da miopia de Miguilim, que pode ver então um mundo
microscópico antes de montar definitivamente seu cavalo e ir-se
embora de vez, sem saber 'o que era alegria e tristeza'.
Acho
que a força da obra de Guimarães Rosa abriu-se para mim sem
precedentes depois que li
Campo Geral. Miguilim é uma
história que trata de iluminação, como tudo em Guimarães Rosa.
Rosa
disse a Benedito Nunes (A
Rosa o que é de Rosa) quando
encontraram-se no Rio, que o
Burrinho Pedrês era ninguém menos que Krishna. O próprio, aquele
cowboy azulado.
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