Ein Karem, 14.01.14
Suas cartas são como incensos, alento que permeia todo espaço interno. Ainda não me senti devidamente íntegro para responder intencionalmente suas cartas. De qualquer forma me sinto em dívida quando abro o e-mail pela manhã enquanto a água esquenta para o café e encontro uma mensagem sua. Abre minha semana com chave dourada! Fico na precisão de responder, como quem tivesse um bolo assando.
Os verbos... Hoje tivemos a última das bynianim. Pual. Tenho mais um mês e meio de aulas. Então esse módulo termina. A próxima etapa só tem aulas noturnas. São três dias na semana. Vamos ver o que se dá. Quero fazer. Sem dúvida! Mas tenho que tratar de sedimentar todas essas formas verbais na minha mente. O método é preciso. Ele se cristaliza.
Há um projeto de ir a um museu de Adoniran Barbosa em pleno kibutz israelense, numa região desértica, em Neguev. Quero ver se vou nesse lugar no próximo Sábado ou o mais rápido que puder.
Um dia, estava dentro de um ônibus e vi Adoniram Barbosa na esquina da São João com a Ipiranga. 1975. Alguns anos antes de Caetano compor "Sampa" e imortalizar de vez a esquina. Era Adoniran, sem dúvida alguma. Seu chapeuzinho marca-registrada e o rosto grave-sereno.
A publicação da minha aquarela deu-se pelo fato de que ela foi selecionada pela revista da escola Gurdjieff da qual faço parte há tantos anos. Agradeço de coração seu enaltecimento mas não sou artista internacional não, Chella Querida... Sou, antes de mais nada, um artista interno. Nunca me sinto bem dentro das calças dizendo que sou artista. Mas o fato é que nunca consegui viver sem criar. Não por decisão voluntária. É prestação de serviço divino. Sei apenas que comigo isso se dá dessa forma. Ser anônimo, quase disfarçado, completamente retirado daquilo que poderia se chamar 'meio literário'. Mesmo a poesia que escrevo não tem valor algum para o que está em voga. Eu seria considerado um alienígena arcaico tentando a santidade. Minha poesia trata das coisas do espírito. Para mim é só o que conta. Criei uma arte para poucos. Quando olho meu percurso, vejo que certamente não é algo acidental. Há algo ali. Mas viver o momento é a melhor aventura. A porta mais possível. Quero apenas cumprir minha missão. A Arte tem seus propósitos. Ela é uma entidade viva dentro de mim. Não tenho dúvidas quanto a isso. Sei bem o quanto ela dialoga comigo e lateja viva no meu sangue de jagunço. É ela que mantém meu coração batendo seu ritmo de cristal. Paralelo a isso há a busca espiritual, a qual também nunca busquei deliberadamente. Nunca tive poder de decisão sobre nada disso. A gente não escolhe nada. Somos escolhidos. Mas tem que ficar piano piano. Toda a graça só me sinaliza mais humildade. Lidar com essas grandes forças me coloca no devido lugar. Também é grande saber ser pequeno. Vivo universos nas minhas moléculas. Mas é uma oração em silêncio. Ela cabe na palma da sua mão. E pode abraçar um céu inteiro.
A grandeza desse nosso momento aqui, por exemplo... Quer coisa mais divina que isso? Não é exatamente o mesmo que ouvir Marin Marais? Ou estar diante de uma tela de Van Gogh? Ou entrar pela primeira vez em Santa Sofia, em Sultanahmet? A grandeza é a mesma. As impressões podem ser mais retumbantes. Mas a alma que está ali tem a mesma quietude ampliada em 360 graus. Uma aura que vira pelo avesso. O contrário dessa coisa chamada 'self', que de você mesmo não tem é nada, só carimbos pálidos que a nossa programação tenta perpetuar a duras penas. Para dar em nada.
Só o que resta é a grandeza do espírito. Essa não conhece tempo nem espaço. Vida ou morte. A linguagem da eternidade é irreproduzível. Por isso os livros sagrados são cantados.
Minhas cartas a vocês têm o dom de se transformarem em poesia. Nunca sei ao certo o que vai sair quando me sento a escrever. Mas o meu sentir é sempre o mesmo. A marca de vocês dentro do meu ser é feita a fogo. Chia e fumega vapores como as ventas dos animais em dias frios de inverno. Não poderia decifrar, ainda que no espaço de muitas vidas, tanto mistério e tanta benevolência dos deuses. Procurei uma família toda minha infância e errei a porta indefinidamente. Vocês são minha referência mais evidente. É inegável. Mas tão indecifrável quanto um claro enigma. Para esses mistérios, todos os dicionários são obtusos. E eu, aedo iletrado que só sabe cantar. Mais nada. Mas o gosto nas minhas mandíbulas é de epopeias. E meu fio da meada, são contos de fadas em faróis. Que os deuses nos mantenham neste mesmo porto. Grandes navios virão, assim como pequenos pescadores. Tratar de ser luz é o único parâmetro. Todo o restante são trevas exteriores, onde há choro e ranger de dentes. E ali também a luz há de chegar!
Todo meu amor. Seu no Dharma. C.
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