domingo, 8 de março de 2015

Carta para Djanira



Ein Karem, 05.01.15

Sinceramente não sei por onde começar. E por acaso a gente alguma vez sabe por onde iniciou alguma treta nesta vida? Quando muito, a gente esbarra ileso é em algum final de tarde sem se dar conta de quando as coisas começaram a amanhecer de verdade. Houve um prenúncio de sol alguma vez que já não estivesse sempre ali? A aurora ou o por de sol são decisões de nós mesmos.
Nunca sei ao certo se o que estou tentando fazer é ressuscitar meus mortos ou fazer nascerem de verdade os meus vivos... Tudo não passa mesmo de uma brincadeira de ninar envolta no sereno do desconhecido. A flor que estiver mais aberta capta a noite num só gole!
Por isso pensei em você, minha negra Djanira, deusa de ébano e sal movida a suor e sangue do bom. Porque antes de mais nada você sempre foi para mim uma expressão de liberdade das mais puras, alguém com quem eu me expresso nu através de um baile sem máscaras, envolvido na penumbra quente do seu colo aceso e intacto que me faz despertar atônito e preparado para enfrentar um incêndio em plena orquestra. E a vida tem desafinado tanto... Apesar de tudo continuo praticando meu ofício de Maestro alucinado com a reverberação da sala e a ilusão de tantos ecos.
Talvez eu precise realmente catalisar este dia de chuva em alguma forma escrita para me recuperar deste vale de neblinas onde aterrizei por descuido. Faz parte. São muitas horas de voo em meio a doídas tempestades. Eu me curo dos raios e cometo mais trovões que de costume. Vou celebrando as garoas que surgem pelo caminho como ataduras e benzimentos das velhas feiticeiras.
O fato é que ninguém lê mais nada. Cacei um interlocutor a vida inteira com quem pudesse trocar correspondências e no mínimo receber respostas. Mas devo ter algum karma maldito com Mercúrio porque esse personagem já mudou de ator tantas vezes que cansei de eleger alguém que estivesse desempregado desses palcos. Talvez faça isso para alimentar meus escritos. Tenho quase certeza que crio pretextos para poder plagiar a mim mesmo depois. Parece a construção cega de um longo labirinto. A literatura é simplesmente um beco sem saída, Djanira! Andei lendo estes dias os contos curtos de Caio Fernando Abreu no “Ovo Apunhalado”. Para mim as melhores coisas de Caio ainda são suas crônicas para o extinto Caderno2 do Estado. Havia ali uma vida que ele não precisava cultivar. Ela fluía. Ele saltava de um vislumbre a outro sem qualquer cerimônia. Matita Perê totalmente robotizado! Forjou para si um mito que ria de si mesmo!
Por sua causa, Djanira, hoje saí procurando os textos de Caio e encontrei um blog muito interessante.
Previa mesmo que essa aterrizagem aconteceria inevitavelmente. Tenho levitado demais em tapetes que não teci com as próprias mãos. Trata-se agora de escolher as tramas e os fios. E as cartas que escreverei a você daqui pra frente serão como faróis diante de um mar surdo de ondas. E com o tempo este mar será transformado num grande tapete para que eu não tenha que atravessar a nado e possa contar com o chão sob meus tamancos.
Sei que você também está tecendo seus tapetes, Djanira! E usando palha da costa e búzios da África para decorar suas ondas!
Daqui deste lugar encantado, encravado em pleno Oriente Médio sem medidas, tenho buscado inspiração nas lições de pureza que sempre tive dos seus olhos. Rio sozinho quando penso em você comendo todas as flores daquele congá em Santo André e falando naquela língua disgramada com uma senzala inteira pulsando perto...
Você me fez bruxo, Djanira! Li o tarô pra você naquela tarde porque era impossível dizer não e previ coisas que efetivamente aconteceram tempos depois.
Recentemente vi seus trânsitos astrológicos... bingo mais uma vez!
E por ironia do destino olhei os meus agora e vi que Marte em trânsito na minha 8 está formando um trígono com meu Júpiter natal na 3. Só poderia desembestar em trabalho de escriba uma configuração assim! Eu não consulto os astros com frequência, você bem sabe, temo ficar escravizado mais ainda com o que se passa lá no alto desta galáxia e que já me afeta involuntariamente me fazendo dançar o miudinho. Além do mais, estrelas como você sempre pintaram no meu caminho, bem aqui neste mundinho de pedrinhas de brilhantes. Pra quê procurar explicação nos confins desse universo se tenho pontos de exclamação como você?! Pra quê, Djanira?!






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