Ein Karem, 05.01.15
Sinceramente
não sei por onde começar. E por acaso a gente alguma vez sabe por
onde iniciou alguma treta nesta vida? Quando muito, a gente esbarra
ileso é em algum final de tarde sem se dar conta de quando as coisas
começaram a amanhecer de verdade. Houve um prenúncio de sol alguma
vez que já não estivesse sempre ali? A aurora ou o por de sol são
decisões de nós mesmos.
Nunca sei ao
certo se o que estou tentando fazer é ressuscitar meus mortos ou
fazer nascerem de verdade os meus vivos... Tudo não passa mesmo de
uma brincadeira de ninar envolta no sereno do desconhecido. A flor
que estiver mais aberta capta a noite num só gole!
Por isso
pensei em você, minha negra Djanira, deusa de ébano e sal movida a
suor e sangue do bom. Porque antes de mais nada você sempre foi para
mim uma expressão de liberdade das mais puras, alguém com quem eu
me expresso nu através de um baile sem máscaras, envolvido na
penumbra quente do seu colo aceso e intacto que me faz despertar
atônito e preparado para enfrentar um incêndio em plena orquestra.
E a vida tem desafinado tanto... Apesar de tudo continuo praticando
meu ofício de Maestro alucinado com a reverberação da sala e a
ilusão de tantos ecos.
Talvez eu
precise realmente catalisar este dia de chuva em alguma forma escrita
para me recuperar deste vale de neblinas onde aterrizei por descuido.
Faz parte. São muitas horas de voo em meio a doídas tempestades. Eu
me curo dos raios e cometo mais trovões que de costume. Vou
celebrando as garoas que surgem pelo caminho como ataduras e
benzimentos das velhas feiticeiras.
O fato é
que ninguém lê mais nada. Cacei um interlocutor a vida inteira com
quem pudesse trocar correspondências e no mínimo receber respostas.
Mas devo ter algum karma maldito com Mercúrio porque esse personagem
já mudou de ator tantas vezes que cansei de eleger alguém que
estivesse desempregado desses palcos. Talvez faça isso para
alimentar meus escritos. Tenho quase certeza que crio pretextos para
poder plagiar a mim mesmo depois. Parece a construção cega de um
longo labirinto. A literatura é simplesmente um beco sem saída,
Djanira! Andei lendo estes dias os contos curtos de Caio Fernando
Abreu no “Ovo Apunhalado”. Para mim as melhores coisas de Caio
ainda são suas crônicas para o extinto Caderno2 do Estado. Havia
ali uma vida que ele não precisava cultivar. Ela fluía. Ele saltava
de um vislumbre a outro sem qualquer cerimônia. Matita Perê
totalmente robotizado! Forjou para si um mito que ria de si mesmo!
Por sua
causa, Djanira, hoje saí procurando os textos de Caio e encontrei um
blog muito interessante.
Previa mesmo
que essa aterrizagem aconteceria inevitavelmente. Tenho levitado
demais em tapetes que não teci com as próprias mãos. Trata-se
agora de escolher as tramas e os fios. E as cartas que escreverei a
você daqui pra frente serão como faróis diante de um mar surdo de
ondas. E com o tempo este mar será transformado num grande tapete
para que eu não tenha que atravessar a nado e possa contar com o
chão sob meus tamancos.
Sei que você
também está tecendo seus tapetes, Djanira! E usando palha da costa
e búzios da África para decorar suas ondas!
Daqui deste
lugar encantado, encravado em pleno Oriente Médio sem medidas, tenho
buscado inspiração nas lições de pureza que sempre tive dos seus
olhos. Rio sozinho quando penso em você comendo todas as flores
daquele congá em Santo André e falando naquela língua disgramada
com uma senzala inteira pulsando perto...
Você me fez
bruxo, Djanira! Li o tarô pra você naquela tarde porque era
impossível dizer não e previ coisas que efetivamente aconteceram
tempos depois.
Recentemente
vi seus trânsitos astrológicos... bingo mais uma vez!
E por
ironia do destino olhei os meus agora e vi que Marte em trânsito na
minha 8 está formando um trígono com meu Júpiter natal na 3. Só
poderia desembestar em trabalho de escriba uma configuração assim!
Eu não consulto os astros com frequência, você bem sabe, temo
ficar escravizado mais ainda com o que se passa lá no alto desta
galáxia e que já me afeta involuntariamente me fazendo dançar o
miudinho. Além do mais, estrelas como você sempre pintaram no meu
caminho, bem aqui neste mundinho de pedrinhas de brilhantes. Pra quê
procurar explicação nos confins desse universo se tenho pontos de
exclamação como você?! Pra quê, Djanira?!