Sonhos de Criança...
Eu devia ter por volta de quatro anos. Lembro-me pela casa onde morava, na Rua dos Timoneiros e que deixei para outros oceanos antes dos cinco.
Tive um sonho, um dos primeiros de que me lembro. Chegava a casa sozinho e o bicho-papão estava sentado na soleira da porta.
Como entrar?
Mas percebia, por venturas de Cinderela além-borralho,
que aquele bicho-papão era feito de capa de chuva, aquelas marrons de antigamente, lembra?
Mesmo sua cabeça era feita desse material, cônica e cortada na ponta.
E o bicho-papão não tinha face. Era um cone liso e oco por dentro, sem consistência alguma, nem mesmo para se sustentar em tramas de medo e exercer sua mal fadada profissão de assalta-crianças!
Dei o primeiro passo solerte em direção à porta.
Ele derreteu e eu acordei assustado
pelo amassar impermeável do susto em evasão.
Levei
anos para entender a clareza desse enigma. Por muito tempo ele só
ilustrou a imagem impressa que eu tinha daquilo que diziam ser o tal
do bicho-papão, o qual, da minha verdade, nunca papou foi nada! Eu
tive a sorte de ver que o sol brilhava atrás das nuvens e que aquilo
era uma farsa.
Muito
do que hoje para na soleira de minha porta, ainda que com o mais
perfeito make-up, boca pintada do mais 'rouge' batom,
não
passa ton sur ton
de oca fantasia construída
para limitar a alegria
da luz em seu estado branco,
sem matizes.