sábado, 27 de setembro de 2014

Rua dos Timoneiros




Sonhos de Criança...


Eu devia ter por volta de quatro anos. Lembro-me pela casa onde morava, na Rua dos Timoneiros e que deixei para outros oceanos antes dos cinco. 
Tive um sonho, um dos primeiros de que me lembro. Chegava a casa sozinho e o bicho-papão estava sentado na soleira da porta.

Como entrar?
Mas percebia, por venturas de Cinderela além-borralho, 
que aquele bicho-papão era feito de capa de chuva, aquelas marrons de antigamente, lembra? 
Mesmo sua cabeça era feita desse material, cônica e cortada na ponta. 

E o bicho-papão não tinha face. Era um cone liso e oco por dentro, sem consistência alguma, nem mesmo para se sustentar em tramas de medo e exercer sua mal fadada profissão de assalta-crianças! 

Dei o primeiro passo solerte em direção à porta. 
Ele derreteu e eu acordei assustado 
pelo amassar impermeável do susto em evasão.


Levei anos para entender a clareza desse enigma. Por muito tempo ele só ilustrou a imagem impressa que eu tinha daquilo que diziam ser o tal do bicho-papão, o qual, da minha verdade, nunca papou foi nada! Eu tive a sorte de ver que o sol brilhava atrás das nuvens e que aquilo era uma farsa.

Muito do que hoje para na soleira de minha porta, ainda que com o mais perfeito make-up, boca pintada do mais 'rouge' batom, 
não passa ton sur ton 
de oca fantasia construída 
para limitar a alegria da luz em seu estado branco, 
sem matizes.